21 de outubro de 2012

Os “Saltos de Cavalos" ou O Hipódromo do Campo Grande

Em redor do Bairro da Quinta da Calçada

O Pai do João Santos (João Téte), também chamado João Santos e que trabalhou durante muitos anos no Hipódromo do Campo Grande como Tratador de Cavalos (não sei se o nome correto é este). O cavalo é magnifico apesar de lesionado na pata esquerda dianteira. A foto é de 1970 mais coisa menos coisa.
Foto de João Santos



Os “Saltos de Cavalos”, era como nós miúdos do Bairro da Quinta da Calçada chamávamos ao hipódromo. Tenho uma vaga memória de ter lá visto corridas de trote, devia ser muito miúdo 6 ou 7 anos (por volta de 1960/61) e também corridas de cavalos à volta da pista. Mas devem ter desaparecido por aqueles tempos porque as recordações depois disso era só dos saltos de cavalos; o hipismo propriamente dito. A minha mãe fez lá alguns piqueniques ao domingo mas não tenho memória disso. Mas as minhas irmãs recordam-se bem. Naqueles tempos, com mais ou menos dificuldade conseguíamos ir até perto das cavalariças e uma vez um senhor colocou-me em cima de um cavalo (foi a única vez na minha vida). Aqui trabalhava o pai do João Téte e mais abaixo coloco uma foto dele com um cavalo. Era um tratador de cavalos (será este o nome?). Conhecia muito bem todos aqueles terrenos porque passava lá todas as manhãs para ir para os meus primeiros trabalhos que foram no Campo Grande, Alvalade e Av. Rio de Janeiro e ia a pé e vinha, isto com 11 e 12 anos. Aqui há tempos atrás (dois ou três anos), ainda consegui ir de carro até ao portão do hipódromo, hoje já não se consegue. Mais abaixo coloco algumas informações sobre este e outros hipódromos, mas tenho dúvidas se as datas de funcionamento estarão corretas.


A foto deve ser de entre 1937 a 1942, o aeroporto estava em construção (foi inaugurado em 1942), mas estas coisas muitas vezes abrem antes de estarem totalmente prontas. Tem alguns locais assinalados e como podem ver o Bairro de Alvalade ainda não estava construído. Fotógrafo não identificado. Clique para aumentar esta e as outras.


«O antigo Jockey Club (hipódromo), juntamente com o Asilo de D. Pedro V para a Infância desvalida e o Museu Rafael Bordalo Pinheiro, fazem parte de um universo de infra-estruturas culturais do período tardo-liberal e I República, constituindo os antecedentes legítimos das futuros pólos sociais e culturais do Estado Novo para a zona do Campo Grande. O antigo Hipódromo era também designado por Jockey Club. O projecto de construção de um Hipódromo foi apresentado à Câmara Municipal de Lisboa, em 1918, pela Sociedade Hípica Portuguesa. A ideia de construção de um Hipódromo no Campo Grande, consta já do Plano Geral de Melhoramentos da Capital (1904), plano considerado utópico para a época, idealizado pelo engenheiro e professor de engenharia Ressano Garcia mas não concretizado.»
(In, Arquivo Municipal de Lisboa)


A foto é anterior a 1942, e bastante, eu creio que seria do fim dos anos 20 ou meados da década de 30. A legenda que acompanha a foto diz: "Panorâmica do Hospital Júlio de Matos (Lisboa) e Hipódromo do Campo Grande (Lisboa)". Mas é estranho que os terrenos à direita, que parecem de um hipódromo seja os do hipódromo do Campo Grande, que ficavam um bocado mais distantes do hospital. Parece que não existia? ainda a Av. do Brasil. Quem souber que esclareça, embora o pequeno texto que coloco a seguir, ajuda a dar um pouco de luz a esta história. Foto de José Artur Leitão.



Hospital Júlio de Matos - Historial

«Embora as plantas dos edifícios datem de 9.10.1913, só foi construído na totalidade após quase trinta anos. A edificação contemplou duas fases de construção: a primeira, entre 1914 e 1932, onde o presidente da comissão foi o professor Júlio de Matos e o arquitecto da obra Leonel Gaia; a segunda, entre 1933 e 1942, tendo como presidente o professor Sobral Cid e o arquitecto Carlos Chambers Ramos. Como Portugal entrou na I guerra mundial e isso levou a uma redução das verbas, com enfraquecimento dos trabalhos na obra, a 12.4.1922, quando faleceu o mentor da instituição, esta estava longe de estar concluída.« 
(In, marcasdasciencias.fc.ul.pt)

«Nota enviada por José Quintanilha Manta, museólogo e historiador, a 12.8.2009: "As plantas dos edifícios datam de entre 1911 e 1914. Foi construído aos poucos e acabado de construir já perto da sua inauguração. Salgado Araújo não deixou nenhuma deixa testamentária nem nenhum testamento a dizer algo sobre a doação que terá realizado. Até hoje, e depois de ter consultado mais de 18000 páginas sobre a vida do mesmo, e histórico do Hospital, não encontrei nenhuma prova dessa doação. O Hospital não começou a ser construído depois da doação, antes sim, com o fundo que ao longo dos anos foi criado para o tratamento e assistência aos alienados, em 1875, pelo rei D. Carlos."» 
(In, marcasdasciencias.fc.ul.pt) 


Corrida de cavalos no hipódromo do Campo Grande. 1913. Joshua Benoliel.

«O episódio das "Corridas no Hipódromo", em Os Maias, de Eça de Queirós, é uma verdadeira sátira ao desejo de imitar o que se faz no estrangeiro, por um esforço de cosmopolitismo, e ao provincianismo do acontecimento. As corridas permitem, igualmente, apreciar de forma irónica e caricatural uma sociedade burguesa que vive de aparências. Não faziam parte das tradições portuguesas como, por exemplo, as touradas, mas surgiram por imitação do que sucedia noutros países. Eça de Queirós constrói este episódio para satirizar a mentalidade e o comportamento da alta burguesia lisboeta, onde se percebe um verdadeiro contraste entre o ser e o parecer. Toda a situação parece ridícula, pois o que se pretendia requintado não o era: falta entusiasmo pelo acontecimento, as pessoas apenas comparecem por ser mais um local social; falta gosto à assistência feminina, que "nada fazia de útil", e os homens surgem "numa pasmaceira tristonha", sem motivações visíveis.» 
In, auladeliteraturaportuguesa.blogspot.pt


Eça de Queiroz em Os Maias
As corridas de cavalos em Belém (excerto) 


«(...) Aquela corrida insípida, sem cavalos, sem jockeys, com meia dúzia de pessoas a bocejar em roda, dava-lhe a certeza que eram talvez as ultimas, e que o Jockey-Club rebentava... E ainda bem! Via-se a gente livre dum divertimento que não estava nos hábitos do país. Corridas era para se apostar. Tinha-se apostado? Não, então histórias!... Em Inglaterra e em França, sim! Aí eram um jogo como a roleta, ou como o monte... Até havia banqueiros, que eram os bookmakers... Então já viam! 
E como o marquês, pousando o copo, e querendo acalmar o general, falava do apuramento das raças, e da remonta, - o outro ergueu os ombros, com indignação: 
- Que me está você a cantar! Quer você dizer que se apura a raça para a remonta da cavalaria?... Ora vá lá montar o exercito com cavalos de corridas!... Em serviço o que se quer não é o cavalo que corra mais, é o cavalo que aguente mais... O resto é uma história... Cavalos de corridas são fenómenos! São como o boi com duas cabeças... Então histórias!... Em França até lhe dão Champagne, homem!... Então veja lá!... 
E a cada frase, sacudia os ombros, furiosamente. Depois, dum trago, esvaziou o seu copo de Champagne, repetiu que tinha muito prazer em conhecer o Sr. Cliford, rodou sobre os tacões, saiu, bufando, entalando mais debaixo do braço o chicote - que tremia na ponta como avido de vergastar alguém.»

«Nesse momento, em redor, romperam exclamações de troça: era um cavalo solitário que chegava, num galope pacato, passava a meta sem se apressar, como se descesse uma avenida do Campo Grande numa tarde de domingo. E em redor perguntava-se que corrida era aquela dum cavalo só - quando ao longe, como saindo da claridade loura do sol que descia sobre o rio, apareceu uma pobre pileca branca, empurrando-se, arquejando, num esforço doloroso, sob as chicotadas atarantadas dum jockey de roxo e preto. Quando ela chegou, enfim, já o outro gentleman-rider voltara da meta, a passo, pachorrentamente, e estava conversando com os amigos, encostado à corda da pista. 
Todo o mundo ria. E a corrida do Prémio d'El-Rei terminou assim, grotescamente.
Ainda havia o Prémio de Consolação - mas agora desaparecera todo o interesse fictício pelos cavalos. Perante a calma e radiante beleza da tarde, algumas senhoras, imitando a Alvim, tinham descido para a pesagem, cansadas da imobilidade da tribuna. Arranjaram-se mais cadeiras: aqui e além, sobre a relva pisada, formavam-se grupos alegrados por algum vestido claro ou por uma pluma viva de chapéu: e palrava-se, como numa sala de inverno, fumando-se familiarmente.»

Alunas de equitação do prof. J. Mirandano no hipódromo do Campo Grande. 1913. Joshua Benoliel. 

«As primeiras corridas de cavalos em Portugal ocorrem em Évora e datam de 1868. Cinco anos depois, organizam-se corridas em Sintra (na Granja do Marquês) e na Golegã. No ano seguinte, em 1874, constrói-se o Hipódromo de Belém e organizam-se corridas em Julho e Outubro. Em 1875, o Clube Equestre, fundado em 1873, muda o nome para Jockey Club. Em 1881, fazem-se as primeiras corridas nas Alamedas do Campo Grande, mas o entusiasmo popular é fraco. Dois anos depois extingue-se o Jockey Club. A "Sociedade Promotora de Apuramento de Raças Cavalares", que arrematara os bens do Jockey Club, ainda realiza algumas corridas, mas o público revela-se desinteressado.» 
In, auladeliteraturaportuguesa.blogspot.pt


Festa da Cavalaria organizada pelo jornal O Século, no Hipódromo do Campo Grande. Repare-se por detrás do militares, nos operários que estavam a construir a bancada, também a posar para a foto. 1933. Fotógrafo não identificado.

«O primeiro hipódromo de Lisboa situava-se em Belém: «Local também utilizado para paradas militares e exercícios do mesmo teor. O Hipódromo de Belém era ocasionalmente visitado por entidades oficiais que ali se deslocavam para assistir ou participar nas referidas manifestações. Situado entre Belém e o Bom Sucesso, este largo espaço serviu para reunião da alta sociedade lisboeta, tendo-se aí efectuado diversas corridas de cavalo, para além de tantas outras festas de índole civil e social. Como tal, o hipódromo depressa adquiriu um estatuto muito particular, tornando-se palco adequado para as manifestações da "sociedade elegante"». Havia outro no Parque da Palhavã (entre 1911 e 1918, não sei se estará correto), tendo sido depois transferido para Sete Rios onde permaneceu até 1930. A partir desse ano a Sociedade Hípica Portuguesa encontra os seus terrenos actuais no Campo Grande, ocupando a localização do antigo Jockey Club.» 
(In, Arquivo Municipal de Lisboa)

Festa da Cavalaria organizada pelo jornal O Século, no Hipódromo do Campo Grande. Nas duas primeiras fotos pode ver-se que estava-se a construir a bancada e repare-se também na máquina de filmar. 1933. Fotógrafo não identificado.

 Festa da Cavalaria organizada pelo jornal O Século, no Hipódromo do Campo Grande. 1933.
Fotógrafo não identificado.

 Festa da Cavalaria organizada pelo jornal O Século, no Hipódromo do Campo Grande. 1933.
Fotógrafo não identificado.


Desafio de Pólo no Hipódromo do Campo Grande. 1934. Fotógrafo não identificado.
Foto do Centro Português de Fotografia


 Desafio de Pólo no Hipódromo do Campo Grande. 1934. Fotógrafo não identificado.
Foto do Centro Português de Fotografia

Desafio de Pólo no Hipódromo do Campo Grande. 1934. Fotógrafo não identificado.
Foto do Centro Português de Fotografia

Exercícios preparatórios para a parada do 28 de Maio, por filiados da Mocidade Portuguesa 
masculina e feminina no campo do Jockey Club. 1938.  Fotógrafo não identificado.
Foto do Centro Português de Fotografia

Anuncio no Diário de Lisboa em 1958. Nesta altura havia apostas.

Anuncio em A Capital 1960. Já não havia apostas?.

Entrada para as bancadas do Hipódromo do Campo Grande. 1961. Artur Goulart.

Vista lateral das bancadas do Hipódromo do Campo Grande. 1961. Artur Goulart.

Zona de apostas ? do Hipódromo do Campo Grande. 1961. Artur Goulart.

Vista da pista do Hipódromo do Campo Grande e ao fundo o Estádio do Sporting. 1961. Artur Goulart.

Azinhaga dos Ameixiais que separava o Hipódromo (à esquerda), dos terrenos do Estádio Universitário. Esta parte da Azinhaga ainda existe e pode ser vista quando se passa na 2ª circular, mas já não tem qualquer acesso. 1961. Artur Goulart.

 Zona de árvores por trás da bancada do Hipódromo do Campo Grande. 1961. Artur Goulart.

Não tem conta quantas vezes atravessei esta estrada de terra que vinha 
do Canil e do Hipódromo e ia até ao Campo Grande. 1961. Artur Goulart. 

Vista da pista do Hipódromo do Campo Grande. 1961. Artur Goulart.

Aqui, debaixo destas árvores e de outras era onde minha mãe fazia de vez 
em quando uns piqueniques, por volta desta época. 1961. Artur Goulart.

Vista das cavalariças do Hipódromo do Campo Grande. 1961. Artur Goulart.

Entrada para as zonas privadas do Hipódromo do Campo Grande. 1961. Artur Goulart.

A bilheteira do Hipódromo (debaixo de uma árvore por causa do calor) e um edifício que não 
tenho a certeza se pertencia ao Hipódromo ou ao Canil que ficava ali perto. 1961. Artur Goulart.

Hipódromo do Campo Grande, visto da 2ª circular. 1961. Artur Goulart.

Terrenos do Hipódromo, visto da 2ª Circular vendo-se ao fundo 
Faculdade de Letras na Cidade Universitária. 1962. Artur Goulart.

 Azinhaga dos Ameixiais, visto da 2ª Circular. 1962. Artur Goulart.

 Vedação de arame do Hipódromo do Campo Grande. 1962?. Artur Goulart.

Pavilhão (picadeiro) do Hipódromo do Campo Grande. 196?. Artur Goulart.

Como já se viu pelas fotos deste post, o Hipódromo do Campo Grande servia sobretudo, para uma classe social se reunir e divertir e também para os seus protectores e futuros seguidores. Tal como, Eça os descreve em Os Maias. Aqui foto copiado do jornal A Capital referente ao campeonato de hipismo da Mocidade Portuguesa.

Corridas de trote (ainda vi algumas).
Foto copiada de A Capital em 1970.

 Noticias em A Capital em 1970 e 1971.


A Sociedade Hípica Portuguesa


«Fundada em 1910, tem como objectivo promover o desenvolvimento e o interesse pela equitação e pelo hipismo. Na escola existem vários níveis de aprendizagem, para além das aulas convencionais de equitação oferece ainda novas modalidade: volteio de competição, disciplina de elevada expressão estética e exigência física. A Sociedade Hípica Portuguesa (SHP) ocupa o seu lugar na história da cidade de Lisboa, de Portugal e do hipismo nacional. A 23 de Março de 1911, um grupo de cavaleiros funda a SHP. (...) A 1 de Maio daquele ano foi inaugurada em Lisboa, a primeira sede da Sociedade Hípica Portuguesa, na Rua Ivens. O primeiro hipódromo situava-se no Parque da Palhavã (1911-1918), tendo sido subsequentemente transferido para Sete Rios onde permanece até 1930. A partir desse ano a Sociedade Hípica Portuguesa encontra os seus terrenos actuais no Campo Grande, ocupando a localização do antigo Jockey Club. À Sociedade Hípica Portuguesa estão associados todos os que foram nomes grandes do nosso hipismo. Nunca ninguém fez, tantas vezes subir, o pavilhão português no mastro de honra, quer em Portugal quer no estrangeiro, como os sócios do nosso clube. (...) Em 1911 a Sociedade Hípica Portuguesa organiza o III Concurso Hípico Internacional de Lisboa (actualmente designado por CSIO – Concurso de Saltos Internacional Oficial) – as duas primeiras edições foram promovidas pelo Turf Club (1909,1910). O CSIO, tornou-se desde então num imperativo de todas as direcções da SHP, pelo que o CSIO é o concurso mais antigo do mundo que se realiza no mesmo local!» 
In, www.sociedadehipica.pt


(As fotos assinaladas foram encontradas em digitarq.dgarq.gov.pt 
e as outras  são do Arquivo Fotográfico da CML)



Hipódromo do Campo Grande 2012


«Os acessos ao hipódromo são surrealistas. Por vezes terá a sensação de se ter perdido e entrado por uma área de despejos de entulho. Não desespere. Acabará por encontrar o local onde se realizam importantes competições hípicas, cuja construção se iniciou nos anos vinte. Não se esqueça de memorizar o caminho de regresso.»
In, jornalpraceta.no.sapo.pt

Já tinha fechado o post, mas hoje (domingo 21-10) levantei-me cedo e quando passei perto do Hipódromo tentei entrar e entrei. Essa cancela que se vê na foto do google view, é a entrada para os carros e quando apontei o meu carro à cancela ela levantou-se e ninguém me perguntou nada. O meu carro tem 10 anos mas ainda impressiona e é o que deve ter acontecido. Tirei estas 4 fotos.


 A da esquerda é o que resta da Azinhaga dos Ameixiais, ainda com os paralelepípedos e a da direita é a entrada, propriamente dita do hipódromo, está mais ou menos no mesmo local de antigamente. Onde está o carro, era o prolongamento da Azinhaga mas está fechado não percebi com o quê.


 Na da esquerda, onde antes havia uma série de árvores, agora é um pátio enorme para 
estacionamento e na da direita vê-se ao fundo a zona das cavalariças e agora chega de hipódromo!



23 de setembro de 2012

A Escola de Telheiras

Onde fiz a Instrução Primária


A antiga Escola de Telheiras. Actualmente creio que é uma das casas de apoio aos doentes com sida. 
Ainda bem que serve para alguma coisa decente. 2009. Foto feita com o Google view. 


Em Redor da Quinta da Calçada


A memória mais antiga que tenho da escola de Telheiras, onde fiz a instrução primária, é de no primeiro dia? de escola, ser o dia de levar vacinas e de estarmos em fila e aterrorizados. A certa altura alguns dos miúdos mais velhos saltaram pela janela para não levarem as vacinas, as salas de aula eram no primeiro andar (pelo menos a minha) e sempre são uns três metros até ao chão. No meu tempo a escola só tinha uma porta ao meio, a outra foi acrescentada mais tarde. Entrava-se e havia umas salas à direita e à esquerda e umas escadas para o primeiro andar, onde havia um corredor grande e mais duas salas. Não sei porque fui para aquela escola, já que o meu bairro tinha duas escolas; de rapazes e de raparigas. Creio que deve ter sido porque, ou estavam cheias ou porque eu tinha seis anos e naquele tempo só se entrava com os sete anos já feitos.


A antiga Escola de Telheiras em 2010?, vista de um dos prédios que 
ficam junto à Azinhaga da Galhardas. Foto encontrada em panoramio.com. 


O que é certo é que entrei ainda com seis anos e fiz os sete a 24 de Setembro. Naquele tempo as escolas começavam nos inícios de Setembro. A escola correu-me bem, entrei aos seis e saí aos dez anos, recordo que tinha facilidade em aprender e um grande jeito para o desenho, dos professores e dos auxiliares, tenho algumas memórias mas que não chegam para me lembrar dos nomes, mas não tenho razões de queixa, por aí além. Creio que tive sempre professoras e só no último ano tive um professor. Houve uma professora que era um bocado mais ousada e trazia umas saias "curtas" e recordo que cruzava as pernas, o que possibilitava umas "visões místicas e vibrações cósmicas", a mim, ao Luis Pintor e ao Matateu, que era com quem eu me dava mais naqueles tempos. Um dia, arranjei uma régua não sei onde e resolvi oferecer a esta professora e para desgraça minha, fui o primeiro a levar com ela. As ponteiradas no cimo da cabeça, de que eu ouvia falar que davam noutras escolas ali era raro, mas lembro que de vez em quando (quando o caso tinha sido "grave"), éramos postos em fila e todos levavam reguadas. 


Foto do final do ano lectivo da Escola de Telheiras, eu estou de camisola branca ao pé do professor, de braços cruzados e de cabelo louro, ao meu lado direito está o Matateu (que já não vejo à mais de trinta anos e no meu lado esquerdo está outro puto da fábrica, que não recordo o nome mas acho, que era ou família do Matateu ou vivia perto dele. Aí na foto também deve estar o Luis Pintor, não sei se será o primeiro do lado direito sentado no chão. Recordo muitas destas caras mas os nomes zero. Os putos que estão na parte de cima estão em cima de um muro de um tanque de agua, que estava sempre cheio, mas não faço ideia para o que servia. Não deve haver na foto muitas mais crianças da Quinta da Calçada porque só iam para a Escola de Telheiras os que não tivessem lugar nas do bairro. A foto tem alguns problemas ao nível dos olhos porque alguém (se calhar eu, ou um dos meus sobrinhos) dedicou-se a riscá-los. Foto Francisco Grave.

O "Matateu", eu e outro puto de que não recordo o nome.

Uma das coisas que nunca compreendi é porque os exames da quarta classe eram feitos no Lumiar, quando todos os outros foram feitos na Escola de Telheiras. No Edifício da Escola de Telheiras, que devia ser uma antiga casa principal de uma quinta e que terá agora uns cem anos ou mais, vivia lá uma senhora que ou era a guarda ou governanta da casa, o que sei é que era ela que cuidava da limpeza da escola. Era conhecida por a Maria dos Porcos, porque tinha um trabalho de cuidar de porcos ali perto na chamada Quinta da Câmara (hoje, terrenos do Estádio Universitário). Mais tarde, fazia negocio a vender gelo, recordo ir lá comprar gelo já na minha adolescência, quando chegava o verão e queríamos refrescar as bebidas, porque naquela altura era rara a família que tinha frigorífico no Bairro da Quinta da Calçada. Quando terminei a instrução primária, os meus pais perguntaram-me se eu queria ir para o liceu, que eles fariam um esforço, para que eu continuasse a estudar, mas eu estupidamente disse que queria ir trabalhar e só vinte e tal anos depois é que fui estudar outra vez.


Foto de uma festa na Escola Alemã em 1970. Do outro lado da Segunda Circular (que é o que nos interessa), vê-se algumas casas da Quinta da Calçada, o Mercado e os Tanques. Os terrenos à direita eram as hortas que iam até à Escola de Telheiras e os terrenos ao centro era a chamada Quinta da Câmara, que ia até ao hipódromo e ao canil. 1970. Nuno Barros Roque da Silveira.

A Escola de Telheiras em 1962, no tempo em que eu andava nela e aprendia coisas, umas que serviram mais tarde, outras não. Esta foto é das traseiras, onde está a varanda, as escadas e a parte de baixo, mais a zona da árvore, era tudo território da chamada Maria dos Porcos. 1962. Artur Goulart.

A antiga Escola de Telheiras em 2010?, vista de um dos prédios que 
ficam junto à Azinhaga da Galhardas. Foto encontrada em nezclinas.blogspot.

Fachada da Escola de Telheiras. 1968. João Goulart.

Azinhaga das Galhardas com a Escola de Telheiras ao fundo. 1940. Eduardo Portugal.

Azinhaga das Galhardas com a Escola de Telheiras ao fundo, tirada mais ou menos da mesma zona que 
a foto anterior. Há 70 anos de diferença entre as duas. 2010?. Foto encontrada em nezclinas.blogspot.

A Segunda Circular acabadinha de alcatroar, com a Escola de Telheiras ao fundo. Por 
trás das árvores à direita ficava o Bairro da Quinta da Calçada. 1962. Artur Goulart.

A Segunda Circular em obras, com a Escola de Telheiras ao fundo. Por trás 
das árvores à direita ficava o bairro da Quinta da Calçada. 1961. Artur Goulart. 

Da porta da Escola de Telheiras, olhando para Telheiras era isto que se via, no tempo em que eu 
andava na escola. A moradias à direita são do Bairro Jardim de Telheiras. 1961. Artur Goulart. 

Zona perto da Escola de Telheiras onde nos recreios costumava-mos brincar. A rua 
é a Azinhaga das Galhardas que ia até ao pé do "Rabaçal". 1961. Artur Goulart.


Aqui foi onde fiz o exame da quarta classe. Tenho uma vaga memória de ter feito o exame; prova oral e escrita, de ter esperado um bocado a ver se tinha passado, de me darem uns papeis e de ter voltado a pé para o nosso bairro e de a certa altura ter dado por me terem caído um ou dois papeis, voltei para trás e encontrei-os perto da zona da Tobis (há dias de sorte). Este edifício fica na Alameda da Linhas de Torres e pertenceu à Sociedade Instrução e Beneficência José Estêvão fundada em 1911, creio que era um antigo Centro Escolar Republicano, que o Estado Novo aproveitou. Está há anos abandonado e espero que não o mandem abaixo, é um edifício de interesse histórico, creio eu que, não percebo nada disso. Foto a preto e branco: 1966. Artur Goulart. Foto a cores: 2009, feita com o Google view.



EVOLUÇÃO E SITUAÇÃO ACTUAL DOS
CENTROS ESCOLARES REPUBLICANOS


«Os Centros Escolares Republicanos fazem parte da riquíssima história do associativismo, tão vigoroso na segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Fenómeno também europeu o associativismo oitocentista visava responder aos problemas e solicitações sociais decorrentes de transformações muito importantes, então vividas tanto na sociedade portuguesa como nas demais sociedades dos países ocidentais.
Entre essas transformações, merece referência particular o fenómeno do desenvolvimento das cidades, decorrente do crescimento demográfico e das intensas migrações do campo para as cidades. É neste contexto historicamente inédito que se assiste ao declínio de formas tradicionais de sociabilidade, à proletarização de camadas importantes da sociedade, à emergência de formas novas de pobreza e mesmo ao agravamento de formas de comportamentos desviantes como o alcoolismo, a vadiagem e a prostituição. Da imensa variedade de todos esses problemas decorre a infinita variedade das associações então criadas, muito diversas quanto à sua natureza, às suas finalidades e às qualidades e condições sociais dos seus associados.» 
( In, www.sg.min-edu.pt)  Ler Tudo Aqui



(Fotos do Arquivo Fotográfico da CML, excepto as assinaladas)