3 de fevereiro de 2013

O Franco no Campo Grande



O nome era Ferraria Franco-Portuguesa e ficava no Campo Grande, mas era mais conhecida como Serralharia Franco ou O Franco. Acreditem ou não trabalhei lá com cerca de 11/12 anos, durante um ano e meio mais coisa menos coisa, e antes disso já tinha trabalhado numa farmácia, uns meses quando saí da escola aos dez anos, e de onde fui despedido por comer as pastilhas Rennie e numa fábrica no Bairro de Alvalade (também uns meses) que fazia, que eu me lembre, entre outras coisas, os botões (vermelhos para o autocarro parar) de plástico para os autocarros de dois pisos da Carris e isto sem contar o tempo entre os 8 e os 10 anos que apanhava bola de ténis no CIF, nas horas em que não havia escola.



Na foto (dos anos 60) está o meu cunhado Carlos (ainda novo mas já casado com a minha irmã Emília , nos seus tempos de soldador na Ferraria Franco (há data soldador era um trabalho especializado) e um anuncio da Ferraria Franco encontrado numa revista da CML, não sei de que data, mas talvez dos anos 40 ou 50. (foto de Emília Grave)

Lembro-me que foi o meu cunhado Carlos que me arranjou este emprego, ele trabalhava lá como soldador e trabalhava lá mais gente da Quinta da Calçada e de Telheiras. Os putos como eu trabalhavam como o caraças, tenho algumas memórias de ir buscar ferro com 6 metros á zona do Arco-Cego e vir a pé até ao Campo Grande. Os mais velhos nem sempre nos tratavam muito bem, os putos eram explorados tanto pelos patrões, (creio que ganhava 13 escudos á quinzena) como pelos mais velhos, (os mais antigos eram tratados por Mestre e os outros por Senhor) fazíamos recados, aquecíamos a comida deles, fazíamos braseiras no inverno, ajudava-mos em tudo e mais alguma coisa, ainda lembro a sensação que entrava nas unhas quando tínhamos de pegar no ferro logo de manhã (entrávamos ás 8h). Tenho também ainda na memória, um choque eléctrico que apanhei e que fiquei com a ideia de que até voei.  


Na foto da esquerda, ao fundo vê-se o portão de entrada e saída de materiais com o guindaste para as
 coisas pesadas. Na outra foto vê-se alguns dos barracões que faziam parte da Serralharia Franco. 1962.

Aquilo que me dava mais gozo fazer, era duas ou três vezes por ano ir á rua de São Nicolau na Baixa, a uma Farmácia, buscar os remédios para a serralharia (álcool, algodão, iodo, ligaduras, etc), ás vezes levava mais de meio dia a fazer isso e depois tinha que aturar o encarregado, já que ia a pé uma parte do caminho, o que me permitia poupar dinheiro que eles davam para o eléctrico ou autocarro e comprar umas revistas (Mundo de Aventuras, O Condor, o Falcão e outras) e ver os cartazes dos filmes dos vários cinemas da baixa, e olhar para tudo e mais alguma coisa porque para mim a Baixa era outro mundo. Aos sábados trabalhávamos até ás 13h e era dia de limpeza da oficina e quem a fazia eramos nós, os aprendizes, e tínhamos que nos despachar senão ficávamos lá depois da hora. Já não me recordo de como saí de lá, se fui despedido ou não porque (isso naquela altura era o pão nosso de cada dia), estávamos sempre a saltar de um trabalho para outro. Só sei é que aos 13 anos já trabalhava na Rua da Prata numa loja de tecidos, mas isso agora não interessa nada.

Pelo lado esquerdo desta taberna ou casa de pasto, ia-se para O Franco e pela direita para 
Pátio do Galego (creio que se chamava assim). Esta casa ainda existe actualmente. 1961.

Na foto da esquerda, vê-se ainda parte da antiga Serralharia Franco, zona da Quinagem. 
Na outra foto, a entrada para a Serralharia Franco com o Chafariz em primeiro plano. 2011.

A Serralharia Franco fazia todo o tipo de trabalhos em ferro, tanto simples, como os mais elaborados. Este exemplo de um portão da Avenida da Liberdade, 191, serve para ilustrar o que disse. Lembro-me que este portão foi feito na Serralharia Franco entre 1965/66, porque fui um dos aprendizes que foram ajudar (ajudar é como quem diz; passava-lhes as ferramentas, etc) os oficiais a montar o portão. Fotos feitas com o Google Maps. 2011.

Chafariz do Campo Grande em frente á Serralharia Franco. 1961. Artur Goulart.


(Fotos do Arquivo Fotográfico da CML)